Lysander Spooner, anarquista ou libertário? Fascículo 3 Parte II

Spooner examina por quais atos o cidadão poderia consentir com a autoridade do governo americano no tempo da Guerra da Secessão, da alta nas sobretaxas alfandegárias, e da primeira aplicação do imposto de renda publicado no Manifesto Comunista de 1848, item 2. 

II

          Consideremos separadamente então estas duas questões, a da votação e a do pagamento dos impostos.

Toda a votação que já se fez sob a Constituição vem sendo da sorte que, além de não comprometer o povo como um todo a apoiar a Constituição, nem mesmo obrigou a pessoa alguma que o fizesse, como demonstram as seguintes considerações.

  1. Pela natureza das coisas, o ato de votar não teria como constranger a ninguém à exceção dos próprios eleitores. Mas em vista dos requerimentos fundiários para tal habilitação,[1] é provável que ao longo dos primeiros vinte ou trinta anos da Constituição, não mais de uma décima, décima-quinta ou talvez vigésima parte da população total (branca e negra, homens, mulheres e crianças) fosse permitida a exercer o voto. Por conseguinte, no que toca à votação, não mais de uma décima, décima-quinta ou talvez vigésima parte da população total existente à época teria como incorrer em obrigação alguma de apoiar a Constituição.2
  2. Hoje,3 é provável que a não mais que uma sexta parte da população seja permitido o sufrágio. Consequentemente, no que toca à votação, os outros oitenta e três porcento não teriam como incorrer na obrigação de apoiar a Constituição.

Da sexta parte permitida a votar, uns dois terços no máximo (quiçá onze porcento da população) têm, de praxe, exercido o voto. Muitos nunca votaram. Outros tantos votam uma vez a cada dois, três, cinco ou dez anos, em épocas de grande fervilhamento.

Não se pode dizer que pessoa alguma, ao votar, se compromete por prazo superior ao mandato pelo qual crava. Se eu, por exemplo, votar por um oficial cujo mandato seria de um ano, não há como dizer que eu tenha com isso me comprometido a apoiar o governo além deste prazo. Com base portanto, na votação, não haveria como se afirmar que mais de uma nona ou oitava parte da população total teria, de praxe, compromisso algum de apoiar a Constituição.4

  1. Não se pode dizer que, ao votar, a pessoa se compromete a apoiar a Constituição a menos que o ato de votar seja perfeitamente voluntário de sua parte. Mas não se pode chamar de voluntária a votação da parte de grande proporção dos que o exercem. É mais a medida da necessidade que outros lhe impõem. Neste tópico repito o que foi dito em um número anterior, viz.:

“De fato, no caso do indivíduo, a sua votação não se interpretaria como prova de consentimento, mesmo que provisório. Muito pelo contrário. Seria de se considerar que, sem ser consultado, o indivíduo se vê cerceado por um governo ao qual não tem como resistir; um governo que o força a pagar dinheiro, prestar serviço, e desistir do exercício de muitos dos seus direitos naturais, sob pena de oprimentes punições. Percebe também que outros exercem sobre ele esta tirania mediante o voto. Enxerga aínda que, se lançar mão ele mesmo do voto, terá alguma chance de se livrar desta tirania alheia, sujeitando os demais à dele. Resumindo, se acha, a contragosto, em situação tal que valendo-se do voto, tornar-se-ia feitor; não o fazendo, vira escravo. E das duas, uma, pois alternativas não há. Em defesa própria, aposta na primeira. Seu caso é análogo ao do cidadão alistado à batalha, onde ou se mata ou é morto. Isso porque quando, para se salvar na batalha, o homem peleja para liquidar aos adversários, não se pode concluir que a batalha seja de sua escolha. Tampouco no pleito com a cédula—mero substituto pela bala—pois, se quando da única opção para se preservar, o indivíduo cravasse a cédula, significaria que o pleito fosse algo do qual participasse por voluntariedade, que espontaneamente arriscasse pôr em jogo todos os seus direitos naturais, contra os direitos alheios, para perder ou ganhá-los por pura força de números. Pelo contrário, seria de se supor que, no aperto ao qual fora coagido por terceiros, inexistindo outra possibilidade de autodefesa, haveria, por necessidade, de se valer da única possibilidade restante

“Mesmo o mais miserável dos homens, no jugo do mais opressivo governo do mundo, usaria, se permitido, do voto se enxergasse naquilo alguma chance de assim melhorar a sua situação. Mas não seria legítima a ilação de que esse governo que o esmaga seria um que ergueria por arbítrio próprio ou do qual consentisse.

(Continua…)

[1]  Na épocam as mulheres e indigentes não podiam votar, e hoje nenhum americano é obrigado a dar o voto.

2   Em 1824, votaram 350.000 de uma população de 11.000.000

3   14% da população votou em 1868

4   Verdadeiro à época, mas o sufrágio feminino dobrou o número.

Lysander Spooner, anarquista ou libertário? Fascículo 2

Continuando com a análise da Constituição da União americana pelo advogado anti-escravagista em plena ocupação militar dos Estados que tentaram restaurar a antiga Confederação após a alta nas sobretaxas alfandegárias votada 4 meses antes da posse de Lincoln.

…        E assim foi com os que adotaram, inicialmente, a Constituição. Qualquer que possa ter sido o seu intuito pessoal, o significado jurídico de seu texto, no que toca à sua “posteridade”, foi simplesmente que a sua esperança, as suas motivações ao convencioná-la, foram de que este acordo se provaria útil e aceitável a eles e à sua posteridade; de que serviria para promover-lhes a união, segurança, tranquilidade e bem-estar; e que talvez tendesse a “garantir a eles os benefícios da liberdade.” O que consta ali não assevera e tampouco implica direito, poder ou disposição alguma por parte dos participantes originais do acordo, de compelir que a sua “posteridade” se sujeitasse a ele. Fosse essa a sua intenção, a de constrangê-los a viver sujeitados, teriam dito que seu objeto seria não o de “garantir a eles os benefícios da liberdade”, mas sim fazer deles escravos; pois, fosse a sua “posteridade” forçosamente obrigada a viver sob aquilo, nada mais seria que a escravaria de avôs tolos, tiranos e defuntos.

Não há como dizer que a Constituição fez do “povo dos Estados Unidos,” uma pessoa jurídica permanente. Não fala do “povo” como corporação, e sim como indivíduos. A pessoa jurídica não se descreve como “nós”, como “povo” ou como “nós mesmos”. Tampouco vem ser a pessoa jurídica dotada, em termos jurídicos, de “posteridade”. Supõe que tenha, e refere a si como se tivesse, existência perpétua, como individualidade única.

Além do mais, não é lícito uma corporação de homens de qualquer que seja a época, constituir uma pessoa jurídica perpétua. A pessoa jurídica passa a ter perpetuidade na prática apenas pela adesão voluntária de novos integrantes em substituição dos antigos que morrem. Sem esta adesão voluntária de novos membros, a pessoa jurídica se acabaria com a morte de seus constituintes originais.

Do ponto de vista jurídico então, não há na Constituição vírgula sequer que professe ou vise constranger a “posteridade” daqueles que o estabeleceram.

Se os autores da Constituição não tinham procuração para obrigar, e tampouco fizeram menção de sujeitar a sua posteridade, cabe indagar se a posteridade teria se sujeitada, coisa que só poderiam ter feito de uma ou da outra maneira, senão pelas duas, ou seja, pela votação e pelo pagamento dos impostos.

(Continua na Parte II…)

Lysander Spooner, anarquista ou libertário?

Para neutralizar um intelectual, nada melhor do que taxá-lo de anarquista, que entre 1848 e 1918 era entendido nos jornais como sinônimo de republicano, de comunista. Spooner era advogado anti-escravagista antes da chamada “guerra da secessão” provocada pelo aumento brusco das sobretaxas alfandegárias. Spooner criticava o regime de coação que o novo partido republicano impôs sobre a União.  Examinando os pensamentos deste autor podemos tirar conclusões sobre o teor da sua mensagem.  Como a obra é grande e o contexto nem tão familiar, faremos em fascículos a nossa análise.

Sem Traição

A Constituição Despida de Autoridade

Lysander Spooner, 1869

Portuguese Translation © 2015, by J Henry Phillips.com

Não há, inerente na Constituição, autoridade ou obrigatoriedade alguma. Ela carece por inteiro de toda e qualquer autoridade ou obrigatoriedade, a não ser como contrato feito entre homem e homem. E de forma alguma se representa como contrato entre pessoas hoje existentes. Quando muito, pretende nada mais ser que um contrato entre pessoas físicas existentes oitenta anos atrás.1 Poderia se supor que, na época, fosse contrato entre pessoas já maiores de idade, e como tais, dotadas da competência de celebrar contratos razoáveis e obrigatórios. Sabemos também, pela história, que fora consultada, ou indagada, ou permitida expressar de maneira formal seu consentimento ou divergência, apenas uma pequena proporção do povo existente na época. Aqueles que consentiram formalmente, havendo algum, hoje estão todos finados. A maior parte já há quarenta, cinquenta, sessenta ou setenta anos. E a Constituição, enquanto contrato destes, expirou com eles. Jamais dispuseram do poder ou direito de torná-lo vinculante sobre seus filhos. Além de ser evidentemente impossível, pelos fatos da natureza, que pudessem realizar tal sujeição, de fato nem sequer houve tentativa de sujeitá-los. Vale dizer, o instrumento não pretende ser convenção que envolvesse pessoa a não ser “o povo” existente na época; e nem tampouco se deram ao trabalho de tentar sujeitá‑los, ou seja, o instrumento não representa ser um acordo entre pessoa alguma a não ser as pessoas então existentes; e nem tampouco, implícita ou explicitamente faz valer qualquer direito, poder ou disposição por sua parte de sujeitar ninguém a não ser eles mesmos. Vejamos então. Reza o texto:

Nós, o Povo dos Estados Unidos (isto é, o povo existente na época nos Estados Unidos), a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a Justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.

Salta aos olhos logo de saída que este texto, enquanto convenção, não representa ser mais do que realmente fora, viz., um contrato entre as pessoas então existentes; e por conseguinte válido, como contrato, somente para aqueles que existiam à época. Em segundo lugar, o texto não declara e nem dá a entender que eles tinham desejo ou intenção, ou que se imaginassem dotados do direito ou poder de obrigar sua “posteridade” a se sujeitar a tal. Tampouco reza que sua “posteridade” irá, deve, ou há de se sujeitar a tal. Diz apenas, na verdade, que a sua esperança e motivação ao adotá-la fora de que pudesse prestar alguma utilidade à sua posteridade, assim como para eles mesmos, por promover a sua união, segurança, tranquilidade, liberdade, etc.

Suponhamos que fosse celebrada uma convenção com a seguinte forma:

Nós, o povo de Boston, concordamos em manter um fortim na ilha do Governador, para nos defendermos, e à nossa posteridade, contra as invasões.

É claro que tal acordo, enquanto acordo, constrangeria a ninguém a não ser às pessoas existentes à época. Ademais, asseveraria direito, poder ou disposição alguma, de sua parte, de compelir que sua “posteridade” mantivesse o dito fortim. Serviria apenas para indicar que fora o suposto bem de sua posteridade um dos motivos que induziram as partes originais a firmarem o acordo.

Quando um homem se diz estar construindo uma casa para si e sua posteridade, não quer indicar com isso que cogita constrangê-los. Nem é válida tampouco a ilação de que seja parvo a ponto de se imaginar dotado de direito, ou poder que seja, para constrangê-los a residir lá. No que concerne a eles, ele nada mais quer dar a entender do que, de fato, sua esperança, suas motivações ao construí-la, fossem que eles, ou pelo menos alguns deles, achassem condizente com a sua felicidade morar lá.

Pois quando um homem diz que está plantando uma árvore para si e sua posteridade, não quer indicar com isso que cogita obrigá-los. Nem é válida tampouco a inferência de que seja simplório a ponto de se imaginar detentor de direito, ou poder que seja, para obrigá-los a comer da fruta. No que concerne a eles, ele nada mais quer dar a entender do que, de fato, sua esperança, suas motivações ao plantar a árvore, fossem que a fruta do pé lhes agradaria. (Continua-se…)

1   Escrito em 1869 Cf “Fourscore and seven years ago…” do discurso de Gettysburg.

Manifesto de 1850 em inglês e português de 2015; Communism in modern English and Portuguese

Para vender o manifesto comunista de 1848 ao telespectador, é necessário remanejar e dourar a pílula. Cá está a pílula em dois idiomas:

1. As companhias de petróleo não deveriam pagar por perfurar em terras públicas? E o solo não é nosso?
2. Afinal, você apoia ou é contra o imposto de renda e o resto da Constituição?
3. Você iria querer que dinastias hereditárias entrincheiradas tomem conta de tudo?
4. Você não concorda que as previsões de confisco de bens são leis legitimamente aprovadas pelo congresso democraticamente eleito?
5. Não venha me dizer que você é desses paranóicos que querem acabar com o Banco Central?
6. Cabe ao governo entregar o correio, e você com certeza quer que existam estradas, correto?
7. Você não quer um governo produtivo, que exerça tutela sobre as terras públicas?
8. Para poder ter direitos, você antes deve ter deveres e responsabilidades, não é verdade?
9. É claro que as empreiteiras escolhidas pelo governo têm todo direito de proteger o seu investimento no desenvolvimento de produtos transgênicos—e as pessoas são obrigadas a responder ao Censo.
10. Você quer que seus filhos sejam escolarizados, e não explorados em senzalas, correto?

To sell 1848-vintage communism to today’s teevee audiences, some rewording is needed to sugarcoat the pill. Here is that sugary pill in two languages:

1. Shouldn’t oil companies pay for drilling on public land—and shouldn’t land be public?
2. Surely you support the Constitutional income tax, don’t you?
3. You don’t want entrenched hereditary dynasties running everything, do you?
4. You realize, of course, that asset forfeiture provisions are legitimate enactments of a democratically-elected Congress, right?
5. You’re not one of those whack jobs who want to abolish the Fed, are you?
6. It’s the government’s job to deliver the mail, and you do want to have roads, am I right?
7. You want government to be productive and exercise stewardship over public land, I´m sure.
8. In order to have rights, you have to have duties and responsibilities, right?
9. Of course chartered government contractors have a right to protect their investment in transgenic crop development–and people have to answer the census.
10. I trust you would rather see children educated than exploited in sweatshops, right?

If this clarified some propaganda techniques you recognize, imagine how clearly your thoughts could be translated into another language.

Are you surprised to learn how the repeal of prohibition began? Buy my book, Prohibition and The Crash, for a month-by-month examination of how President Hoover’s enforcement of the Jones Five and Ten Law crushed the U.S. economy.

ProhicrashAmazon

Prohibition and The Crash, on Amazon Kindle

A simultaneous interpreter has to think outside the box in order to mediate between cultures, concept and languages. Get in touch for translation or interpreting.

pidotcom