Fé em nada, e pé na tábua

Uma fábula…

mKlízzqf gostou do visual — um planeta azul borrado de nuvens brancas e que, segundo os instrumentos, era desabitado, pois ali não havia rádio nem radares. Acionou os grandes campos magnéticos que lhe serviam de freio e mergulhou com o disco na atmosfera.

Escolheu lá da estratosfera uma ombreira continental próxima a uma delgada península. Ali sim, teria praia, sol e lazer sem a aporrinhação dos seus semelhantes. Seria um repouso perfeito…   mas seria mesmo? A instrumentação da minúscula nave agora acusava um apanhado de fontes em brasa e sinais desconcertantes, geométricos até no radar. “Não é possível”, pensou, “será que não me livro nunca desse ar de cidade?”

E que cidade era. Pirâmides de degraus enormes e longas estruturas agachadas irradiavam do centro de uma vila ebuliente. mKlízzqf não quis saber. Deu uma guinada abrupta e partiu num forte estrondo rumo à praia. As gaivotas nada queriam com aquele disco; saíram gralhando em busca de sossego. Pousou na água, pouco além das ondas límpidas e azuis que banhavam uma praia de areias claras e começou a aprontar a prancha para pegar umas ondas. Antes de cair n’água percebeu uma multidão que emergia da mata. “Só faltava essa..” pensou sem seus botões (pois estava nu).

Quatro seres entestavam o bando, três traziam vestes coloridas, enfeitadas com penachos de aves. O mais penachudo parou, ancho, com os pés na escuma das águas. Caiu de joelhos e começou a berrar complexidades indecifráveis na direção do disco voador que balançava nas vagas. Atrás dele, uma criatura frágil e formosa retorcia para desentalar-se das mazorras bronzeadas do par de brutos que a atenazavam. O líder da comitiva levantou-se e, arrebatado, fitou mKlízzqf. Logo deu um galeio no corpo e atirou-se em cima da formosa, que mal teve tempo de gritar. Cometeu algum ato que mKlízzqf não pôde enxergar, mas — pela surgência do bando esmolambado que emergia agora da mata e se acotovelava para melhor assistir — deduziu ser agressão. Quando o penachudo-mor voltou-se, embevecido, para mKlízzqf, erguia nas mãos um coração vivo, palpitante, que jorrava sangue sobre penugens, rosto e braços. A multidão se encolheu enquanto o penachudo-mor começou a adentrar nas águas em direção ao disco voador.

mKlízzqf não hesitou. Guardou a prancha, pôs o capacete e se arrancou do pedaço num rompante que lançou toneladas de água salgada sobre a multidão e fez troar os céus com o relâmpago da atmosfera rasgada. De olho nos instrumentos, arremessou-se novamente ao espaço à procura de sol e praia. Praia deserta!

Trump, boi de piranha

Donald Trump não é candidato de verdade, mas sim, outro impostor que serviria apenas para abafar a existência do Partido libertário. Só que não cumpriu o papel.

Antes da segunda canditadura do Richard Nixon, a ideia de um governo Americano subsidiar campanhas eleitorais  era coisa inaudita exceto nos países comunistas. Mas também a ideia de um governo desvirtuar a moeda, congelar preços e salários, escravizar os jovens como soldados sem declaração de guerra, não tinha nada de liberal. Liberal que eu falo é no bom sentido: privatização, eliminação de impostos, dispensa de burocracias e regulamentação desnecessária… mas o americano—até mesmo os letrados —entendem a palavra como sinônimo de comunista. Porque isso?

Existe muita censura nos EUA. Dificilmente você acharia um americano que sabe da existência de um Partido Liberal formado em 1930 militando contra o comunismo, os regulamentos religiosos, a lei seca, a intervenção em guerras estrangeiras, e subsidiar o parasitismo mediante impostos. Foi este o partido que forçou os democratas a colocarem na sua pauta a revogação da emenda americana que trouxe a lei seca para destruir a economia nacional. Derrotaram os republicanos e a lei seca foi revogada.

A lei seca não destruiu sozinha a economia. Contou com a ajuda do imposto de renda, que antes juntava poeira no Manifesto Comunista de 1848. Na época em que republicano era sinônimo de comunista, o presidente Lincoln lançou mão do imposto de renda para custear a guerra da secessão.  Posteriormente,  o  debate sobre este imposto foi ressuscitado,  resultando no colapso de 1893,  cuja depressão só terminou depois de o Supremo Tribunal revogar o IR. Os xiitas da proibição ainda queriam ressuscitar o imposto de renda para que pudessem justificar a lei seca. Afinal, entrava muita receita pela importação de vinhos e outras bebidas. Os socialistas queriam a lei seca porque constava do Manifesto Comunista. Juntos, como já vimos (em Defesa do voto libertário), conseguiram transformar a Constituição em instrumento de coação. A economia desabou, a lei seca foi revogada, mas desta vez o imposto de renda escapou.

Richard Nixon foi vice-presidente no governo Eisenhower–aquele que avisou do perigo de um  polo militar-industrial tomar posse do país. Os americanos sacaram a indireta e votaram no Kennedy, que foi assassinado. Nixon bombardeava todo o que era bombardeável, mandou gatunos arrombarem a oposição, e assim foi reeleito. Quando finalmente o Congresso resolveu acionar e julgar o criminoso, este já tinha feito o pior.

Em 1971 o Nixon já se mostrou  corrupto e antiliberal.   Logo, como em 1930, um  pequeno grupo de partidários da liberdade organizou um partido para acabar com o alistamento forçado, com a inflação, com as aventuras de estabelecer ditaduras assassinas com esquadrões da morte no resto do mundo. Tomou o nome de Partido Libertário (Libertarian Party),  dedicado a resistir a toda espécie de agressão social ou econômica.  Um dia antes do registro deste partido, Nixon baixou uma lei subsidiando com o dinheiro do contribuinte as campanhas dos partidos corruptos então existentes.   Pela segunda vez afastou-se o perigo de um partido honesto livrar o país de mais uma ditadura religiosa.

O esquema de partidos políticos não existe na constituição americana. Esta Magna Carta nada prevê acerca dessas organizações, e nem deveria. Mas o golpe do Nixon legislou esta intervenção que corrompeu o processo político. O resultado  é que agora os partidos entrincheirados têm como usar dinheiro alheio para afastar a concorrência honesta e se manter no poder. O Partido Libertário se recusou a aceitar as migalhas de propina, e lançou programas e candidatos a partir de 1972. Imediatamente a lei de alistamento forçado foi revogada, mas os candidatos falsos começaram a poluir o processo de eleição. John Anderson foi um candidato espantalho que simplesmente misturava as pautas dos dois partidos principais. O bilionário Ross Perot fingiu ser candidato independente e pulou fora na última hora, deixando os dois partidos de sempre dividirem o prato.  Candidatos de aluguel surgiram do nada, desvirtuando mais ainda o processo.

Hoje o bilionário Donald Trump faz as vezes do Ross Perot para afastar do proscênio toda e qualquer candidatura libertária. Rand Paul, um candidato republicano xiíta que quer que o governo controle os corpos das mulheres, entrou fingindo ser uma espécie de libertário de imitação. O seu próprio partido republicano o rejeitou imediatamente e ficou em décimo lugar. Em junho de 2015, Donald Trump se declarou candidato. Republicano, ele prometeu largar bombas e deportações em cima dos estrangeiros, imediatamente tomou a dianteira do partido a caminho da nomeação como seu candidato oficial.

Acontece que em fins de outubro este candidato admitiu que o cânhamo medicinal poderia ser legalizado. Num programa de televisão da revista libertária Reason, confessou que gostava dos libertários e achava que estes defendiam muitas ideias boas. Em novembro ele também assumiu que os estados—e não o governo federal—deveriam proibir ou legalizar este mesmo produto. Imediatamente apareceram nos jornais e na televisão enquetes e pesquisas alegando que o público já estava cansado do candidato Trump. O Partido republicano se sentiu traído tão logo o seu atleta revelou qualquer atração à ideia da Liberdade. O segundo-colocado–um fanático que quer proibir, deportar e bombardear sem dó, piedade ou hesitação–provavelmente vai assumir a campanha do partido, e perder nas eleições. Com sorte, e dois ataques cardíacos, os americanos poderão se livrar do controle desses dois partidos corruptos e eleger um presidente libertário. Acompanhe no LP.org

Necessita de traduções políticas, jurídicas ou econômicas?

 

Lysander Spooner, anarquista ou libertário? Fascículo 14

Lysander Spooner agora sintetiza as suas observações com as conclusões delas tecidas, dando esse passo para trás para colocar o conteúdo em perspectiva mais ampla. Cumpre observar que na época cada estado franqueava eleitores por regras próprias. As mulheres não votavam, e o primeiro a recomendar a coação do cidadão no sentido de obrigá-lo a votar, teria sorte se os concidadãos, atônitos, o permitissem escapar sem antes cobri-lo de plumagem e pixação.

VIII

         Sendo a própria Constituição, pois, de nenhuma autoridade, qual o fundamento prático desse nosso governo? Com base em que, podem esses que presumem administrá-lo, avocar a si o direito de sequestrar os bens das pessoas, constrangê-las na sua liberdade natural de ação, de produção, de comércio ‑‑e matar a todos que neguem sua autoridade de dispor sobre a propriedade, liberdade e vida alheia a seu bel-prazer ou alvedrio?
O máximo que podem dizer, de encontro a esta pergunta, seria que por volta da metade, dois-terços ou três-quartos dos varões maiores de idade do país têm um entendimento tácito de que manterão, eles, um governo sob a Constituição; que selecionarão, por votação, àqueles que hão de administrá-lo; e que as pessoas que recebam uma maioria, ou pluralidade, dos seus votos, deverão agir como seus representantes, administrando a Constituição em seu nome e sob sua autoridade.
Mas este entendimento tácito (supondo-se que exista) não justifica a conclusão dele tirada. Um acordo tácito entre A, B e C, que pretendem eles, por votação, deputar D, como agente seu, para me despojar da minha propriedade, liberdade ou vida nunca serviria para autorizar a D que o fizesse. Por declarar que age na capacidade de agente daqueles, este não se torna menos um ladrão, tirano e assassino do que seria o caso fosse ele assumir agir por conta própria.
Tampouco fico eu constrangido a reconhecê-lo como agente deles, e nem pode ele se apresentar como agente legítimo deles, enquanto não trouxer autorização deles por escrito, que o credencie como tal. Eu não sou obrigado a aceitar a sua palavra quanto às identidades, ou de que tenha principais. Não sendo portador de credenciais, tenho o direito de negar que detenha a autoridade à qual pretende: e declarar, portanto, que a sua intenção é de me assaltar, apresar ou assassinar por conta própria.
Sendo assim, este entendimento tácito entre os eleitores do país nada representa em termos de autorização aos seus agentes. Tampouco as cédulas, pelas quais designam os seus prepostos, lhes prestam maior apoio que o seu entendimento tácito; pois os votos são dados em segredo, e portanto, de maneira a se esquivar da responsabilidade pelos atos desses seus agentes.
De nenhuma corporação de pessoas pode se dizer que autorizam a um homem agir como seu agente, para o detrimento de terceiros, a menos que o façam de forma aberta e autêntica, pela qual se responsabilizem pelos seus atos. Nenhum dos eleitores deste país designa aberta e autenticamente seus agentes políticos, ou de maneira tal que se responsabilizem pelos seus atos. Estes agentes pretensos, portanto, não podem, de fato, se manifestar como agentes legítimos. Cabe a alguém a responsabilidade pelos atos destes agentes pretensos; e desde que não possam apresentar credenciais aberta e autenticamente emitidas pelos seus principais, não se pode, no direito e na razão, dizer terem eles quaisquer principais. Aplica-se aqui a máxima de que o que não aparece, não existe.
Mas mesmo estes pretensos agentes não sabem identificar os seus pretensos principais. Estes agem às ocultas; pois agir por voto secreto tanto é agir à socapa como se se reunissem numa cabala secreta na calada da noite. Também são do mesmo tanto desconhecidos pelos agentes que nomeam, como são pelos demais. Nenhum agente pretenso portanto, tem como saber pelos votos de quem é selecionado, ou, por conseguinte, quais os seus principais. Sem saber quais os seus principais, não tem direito de dizer que os tem. Ele pode, quando muito, dizer apenas ser agente de um bando secreto de assaltantes e assassinos, coligados pela fé que prevalece entre parceiros em crime, de se manterem solidários a ele caso seus atos, executados em nome daqueles, sejam resistidos.
Os homens honestamente empenhados na empreitada de estabelecer a justiça no mundo não têm ocasião de agir assim às ocultas; nem de nomear agentes para cometer atos pelos quais eles (os principais) não querem se responsabilizar.
A votação secreta faz um governo secreto; e um governo secreto é um bando secreto de assaltantes e assassinos. Antes o despotismo aberto que isso. O déspota individual se destaca perante a todos e diz: Eu sou o Estado: Minha vontade é a lei: Sou seu senhor: Assumo responsabilidade pelo que pratico: O único árbitro que reconheço é a espada: Se houver quem queira disputar esse meu direito, que venha tirar conclusões comigo.
Mas um governo secreto falta pouco para que seja um governo de assassinos. Com esse a pessoa não sabe quem são os seus tiranos até darem o golpe, e quiçá nem então. Ele pode supor, de antemão, quanto a alguns dos seus viznhos próximos, mas na verdade nada sabe. Aquele para quem seria mais natural apelar para a sua proteção talvez – na hora do aperto – se revele um inimigo.
É este o tipo de governo que temos; e é o único que provavelmente teremos, até as pessoas se dispuserem a dizer: Não consentiremos a qualquer Constituição, salvo uma a qual não tenhamos receio ou vergonha de assinar; e tampouco autorizamos o governo que for a fazer coisa alguma em nosso nome pela qual não queiramos nos responsabilizar pessoalmente.

Continua… No próximo fascículo o filósofo examina o significado e efeito do voto secreto.

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Lysander Spooner, anarquista ou libertário? Fascículo 13

Depois da Guerra da Secessão os estados Sulistas eram ocupados por tropas federais. Impostos eram cobrados no Norte e no Sul com igual rispidez e ameaça de morte.  Lysander Spooner, advogado anti-escravagista de Boston, horrorizado com a guerra e a “Reconstrução”, começou a desconfiar das vulnerabilidades da Constituição. 

VII

         Está claro então, que com base em princípios gerais de razão e direito ‑‑princípios, estes, pelos quais sempre nos guiamos nos foros de justiça e no cotidiano‑‑, a Constituição não é nenhum contrato; não compromete a ninguém, bem como nunca comprometeu a ninguém, e que todos que pretendem agir com base em sua autoridade, na verdade agem sem base em autoridade alguma; que com fundamento em princípios gerais da razão e do direito, não passam de simples usurpadores, e que toda pessoa tem não apenas o direito, mas também a responsabilidade moral de tratá-los como tais.

Se o povo deste país deseja manter um governo tal como descreve a Constituição, não há motivo algum que os impediria de assinar o instrumento, assinalando assim, abertamente, o seu desejo; de maneira tal que o senso comum e a experiência da humanidade mostram ser razoável e necessário em semelhantes casos; e de tal maneira a se responsabilizar (conforme deviam) individualmente, pelos atos do governo. Mas o povo jamais foi convidado a assiná‑lo. E o único motivo pelo qual jamais fora convidado a assiná-lo tem sido justamente a certeza de que jamais o assinariam; que as pessoas nunca foram otárias ou tratantes a ponto de desejar assiná-lo; que não é (pelo menos, segundo vem sendo praticamente interpretado) coisa que uma pessoa sensata e honesta desejaria para si; e tampouco coisa que tenha direito a impor em outrem. Na ética, no que diz respeito a intenções e propósitos, é desprovido de obrigação na medida exata que são desprovidos as negociatas que fazem, entre si, sem nunca assiná-las, os bandidos, ladrões e piratas.

Se um número apreciável dentre este povo acredita que a Constituição seja boa coisa, então porque não o assinam eles mesmos, lavrando e administrando legislação lá entre si, e deixando em paz os demais (que não interferem com eles)? Enquanto não tiverem realizado a experiência eles mesmos, onde é que acham cara de impor a Constituição ‑‑ou mesmo de recomendá-la‑‑ a outrem? É evidente que o motivo de conduta tão absurda e incoerente deve ser que querem a Constituição, não apenas para algum serviço honesto ou legítimo que possa prestar a eles ou outros, mas sim pelo poder desonesto e ilegítimo que esta os concede sobre as pessoas e propriedades alheias. Não fosse este último motivo, não haveria esse louvor da Constituição, essas exortações, esse tanto de dinheiro gasto e sangue derramado para sustentá-la.

Continua esta tradução de http://www.tradutoramericano.com.br…